Se for para emocionar, eu choro
Se for para sorrir, gargalho
Se for para brigar, não fica barato
Se me magoar, perdôo
Se me arrepender, "desculpe"
Se for para escrever, divago
Se for para dançar, sacolejo
Se for para ler, me deito
Para jogar charme, olho
Se der vontade, "eu te amo"
Se for para partilhar, eu chamo
Para abraçar, deleito
Para banhar, calculo
Para amar, eu pulo
Se for para xingar, encho a boca
Para elogiar, também
Se for para cantar, me isolo
Se precisar de apoio, amém!
Se for pra ser profissional, total
Se for pra ser amigo, incondicional
Para dançar na chuva, alegria
Para um bom almoço, companhia
Se for para ser, que eu seja
Se for para escrever, eu ajo
Se quero conhecer, viajo.
Friday, August 15, 2008
Thursday, August 14, 2008
Condição
* Para João da Silva, um brasileiro.
- O que é ser cidadão, seu João?
Ele, "preto", pobre, analfabeto aos 60 anos, diz daquele jeito todo tímido:
- É ter condições, professora...
- O que é ser cidadão, seu João?
Ele, "preto", pobre, analfabeto aos 60 anos, diz daquele jeito todo tímido:
- É ter condições, professora...
Friday, August 01, 2008
Mi hermana tan querida
Foram longos e saborosos 17 dias em terras estranhas. Estranhas porém familiares. Sim, há uma brasilidade argentina. Seja pela comum freqüência em ouvir a língua-mãe da ex-colônia portuguesa, seja pela latinidade dos costumes "hermanos". As marcas mais à mostra são as lindas árvores de folhas caídas, o aroma de café a cada esquina, o galanteio nada tímido dos argentinos e a solicitude e os cabelos desgrenhados de mocinhos e moçoilas, as incontáveis praças - sempre acompanhadas de pássaros, grama, corpos em descanso -, a miscelânea "babilônica" dos albergues, o sabor dulce de leche de "alfajores", "helados", do acompanhamento matinal. Não, a carne, definitivamente, não faz parte das minhas memórias... Talvez uma busca desesperada para dela fugir possa estar nas entrelinhas.
Há quem diga, de modo esnobe, que a Argentina quer ser Europa. Há quem a ame incondicionalmente. É inegável seu ar europeu. Mas isso não nega todo o tracejo latino, de cultura indígena, de sangue quente, de um charme todo nosso. Os elevados prédios de marcas francesas, alemãs e a gastronomia provocam a memória com imagens do Velho Continente. As manifestações nas ruas, porém, o tango - apesar do ar clássico -, o molejo passo a passo, ah, isso tudo é demasiado sul-americano.
As cores nas ruas invernosas são pálidas. A negritude é rara. Muitas vezes encontrada entre um turista e outro. Isto lembra a quase-ausência da mão-de-obra escrava africana. A exploração colonizadora predominou entre mapuches, guaranis, ranquels. O fato é que, como no Brasil, a beleza argentina está na mistura. Bem menos variada que a brasileira, é verdade. Mas não menos bela e deliciosamente majestosa.
Nos ares cordilheiros de Mendoza, uma pacata timidez regozija o visitante. E o vento que tanto irrita os nativos encanta o estrangeiro pelas centenas de folhas caídas às margens das ruas compostas por sorveterias e lojas de calçados. No albergue minúsculo, em que "hombres y mujeres" compartilham os quartos, um encontro inusitado: um estadunidense filho de colombianos, um alemão sindicalista e risonho e uma brasileira trocam experiências. O índio latino de sotaque ianque soa um tanto mal-humorado. Por vezes até impaciente com o inglês enferrujado da moça. Já o que sobra ao alemão é simpatia. Tanta que chega a irritar. Não faltam vinhos - dos melhores argentinos -, chouriços, mesa farta. Há, inclusive, um rodízio de pratos típicos. Um dos mais aguardados é o feijão, que não aparece. No máximo, uma lentilha à brasileira. Está valendo.
Um passeio no zoológico local é extasiante. À garupa do alemão, o cabelo e a alma da moça saltitam de felicidade. Na despedida mendocina, uma fotografia de dentro do táxi: a bandeira celeste, onipresente, causa melancolia, saudade de casa. Para animar a viagem, um bingo dentro do ônibus. Coisas da Argentina...
De volta aos bons ares, uma indescritível descoberta: na descida da Florida, eis a calle Lavalle, com seus enormes cinemas de rua. O implacável Coringa de Ledger é o escolhido no cardápio. Mas o prazer de cines tão antigos não para por aí. Os dias restantes em Buenos Aires ganham visitas constantes à Lavalle. E também à Recoleta, a San Telmo, a Tigres.
Na memória de mais de seis meses depois, ficam cenários fotográficos. Memórias do aperto da saudade de casa, do amor recém-começado, da família. Lembranças de pessoas bacanas, de todas as partes de mundo, com as mais variadas perspectivas. De lugares lindos, papos prazerosos, do espanhol melhorado. E, sem dúvida, de um desejo de voltar o quanto antes. Quem sabe ainda este ano?
Há quem diga, de modo esnobe, que a Argentina quer ser Europa. Há quem a ame incondicionalmente. É inegável seu ar europeu. Mas isso não nega todo o tracejo latino, de cultura indígena, de sangue quente, de um charme todo nosso. Os elevados prédios de marcas francesas, alemãs e a gastronomia provocam a memória com imagens do Velho Continente. As manifestações nas ruas, porém, o tango - apesar do ar clássico -, o molejo passo a passo, ah, isso tudo é demasiado sul-americano.
As cores nas ruas invernosas são pálidas. A negritude é rara. Muitas vezes encontrada entre um turista e outro. Isto lembra a quase-ausência da mão-de-obra escrava africana. A exploração colonizadora predominou entre mapuches, guaranis, ranquels. O fato é que, como no Brasil, a beleza argentina está na mistura. Bem menos variada que a brasileira, é verdade. Mas não menos bela e deliciosamente majestosa.
Nos ares cordilheiros de Mendoza, uma pacata timidez regozija o visitante. E o vento que tanto irrita os nativos encanta o estrangeiro pelas centenas de folhas caídas às margens das ruas compostas por sorveterias e lojas de calçados. No albergue minúsculo, em que "hombres y mujeres" compartilham os quartos, um encontro inusitado: um estadunidense filho de colombianos, um alemão sindicalista e risonho e uma brasileira trocam experiências. O índio latino de sotaque ianque soa um tanto mal-humorado. Por vezes até impaciente com o inglês enferrujado da moça. Já o que sobra ao alemão é simpatia. Tanta que chega a irritar. Não faltam vinhos - dos melhores argentinos -, chouriços, mesa farta. Há, inclusive, um rodízio de pratos típicos. Um dos mais aguardados é o feijão, que não aparece. No máximo, uma lentilha à brasileira. Está valendo.
Um passeio no zoológico local é extasiante. À garupa do alemão, o cabelo e a alma da moça saltitam de felicidade. Na despedida mendocina, uma fotografia de dentro do táxi: a bandeira celeste, onipresente, causa melancolia, saudade de casa. Para animar a viagem, um bingo dentro do ônibus. Coisas da Argentina...
De volta aos bons ares, uma indescritível descoberta: na descida da Florida, eis a calle Lavalle, com seus enormes cinemas de rua. O implacável Coringa de Ledger é o escolhido no cardápio. Mas o prazer de cines tão antigos não para por aí. Os dias restantes em Buenos Aires ganham visitas constantes à Lavalle. E também à Recoleta, a San Telmo, a Tigres.
Na memória de mais de seis meses depois, ficam cenários fotográficos. Memórias do aperto da saudade de casa, do amor recém-começado, da família. Lembranças de pessoas bacanas, de todas as partes de mundo, com as mais variadas perspectivas. De lugares lindos, papos prazerosos, do espanhol melhorado. E, sem dúvida, de um desejo de voltar o quanto antes. Quem sabe ainda este ano?
Monday, June 23, 2008
Arte nada volátil
* Crítica ao documentário Maria Bethânia: música é perfume. Constelação: quatro estrelas.
Música é como perfume: chega, invade e transforma. Não há como ser o mesmo depois de "sentir" qualquer um dos dois. A analogia, feita pela estrela principal do documentário Maria Bethânia: música é perfume, também pode ser usada para comparar o efeito de sua voz sobre os espectadores da película, dirigida pelo francês George Gachot. Ao acompanhar momentos do processo criativo da diva, permeados por depoimentos e cenas do Rio de Janeiro e da Bahia, a sensação é, igualmente, de êxtase.
Passados os primeiros minutos, que não empolgam muito pelo ritmo e a pouca conexão entre falas e imagens, o projeto engaja e consegue prender a respiração com depoimentos como o do maestro Jaime Alem, que há mais de 20 anos está entre os responsáveis pela composições das melodias de Bethânia.
A fotografia não é das mais belas. Mas a trilha sonora, inevitavelmente, é sândalo. Ver Bethânia, em meio às falas, surrupiar graves, nos faz refletir sobre os hits que ouvimos nas FMs por aí. O envolvimento, a intensidade, o talento desde os tempos de menina, em Santo Amaro da Purificação (BA). Todas essas passagens certificam o público de que ela nasceu para cantar e de que a música brasileira não seria a mesma sem sua contribuição e dos companheiros de estrada, como Gilberto Gil, o irmão Caetano Veloso e Chico Buarque, declarado ídolo da diva.
Mas uma ausência entre os depoentes não desce goela abaixo: por que será que não há uma única fala de Gal Costa nos 82 minutos de documentário? Ela sequer é lembrada nas narrações históricas da carreira de Bethânia. Até onde se conhece a trajetória dos baianos da Tropicália, o quarteto formado por Gil, Caetano, a irmã e Gal era indissociável. Será que essa máxima não é mais verdadeira?
Apesar de tamanho "vazio", ver Nana Caymmi narrando que é rádio-ambulante da personagem central é delicioso. Não menos prazeroso é ouvir o "baianês" de Bethânia soltar, admiradamente, exclamações ao escutar Marcel Powell tocar Samba da bênção, de seu pai, Baden Powell, e de Vinícius de Moraes. Este, aliás, é o pai criador de grande parte das canções do filme, fruto do último trabalho da cantora, Bethânia canta Vinícius.
Música é perfume faz pensar. Faz sentir. Arrepia. Não é a obra-prima da não-ficção. Mas, certamente, tem uma importante missão: tornar público e imortalizar a vida e a obra de Maria Bethânia, que, inegavelmente, é tempero forte na cultura nacional, multicolorida.
Música é como perfume: chega, invade e transforma. Não há como ser o mesmo depois de "sentir" qualquer um dos dois. A analogia, feita pela estrela principal do documentário Maria Bethânia: música é perfume, também pode ser usada para comparar o efeito de sua voz sobre os espectadores da película, dirigida pelo francês George Gachot. Ao acompanhar momentos do processo criativo da diva, permeados por depoimentos e cenas do Rio de Janeiro e da Bahia, a sensação é, igualmente, de êxtase.
Passados os primeiros minutos, que não empolgam muito pelo ritmo e a pouca conexão entre falas e imagens, o projeto engaja e consegue prender a respiração com depoimentos como o do maestro Jaime Alem, que há mais de 20 anos está entre os responsáveis pela composições das melodias de Bethânia.
A fotografia não é das mais belas. Mas a trilha sonora, inevitavelmente, é sândalo. Ver Bethânia, em meio às falas, surrupiar graves, nos faz refletir sobre os hits que ouvimos nas FMs por aí. O envolvimento, a intensidade, o talento desde os tempos de menina, em Santo Amaro da Purificação (BA). Todas essas passagens certificam o público de que ela nasceu para cantar e de que a música brasileira não seria a mesma sem sua contribuição e dos companheiros de estrada, como Gilberto Gil, o irmão Caetano Veloso e Chico Buarque, declarado ídolo da diva.
Mas uma ausência entre os depoentes não desce goela abaixo: por que será que não há uma única fala de Gal Costa nos 82 minutos de documentário? Ela sequer é lembrada nas narrações históricas da carreira de Bethânia. Até onde se conhece a trajetória dos baianos da Tropicália, o quarteto formado por Gil, Caetano, a irmã e Gal era indissociável. Será que essa máxima não é mais verdadeira?
Apesar de tamanho "vazio", ver Nana Caymmi narrando que é rádio-ambulante da personagem central é delicioso. Não menos prazeroso é ouvir o "baianês" de Bethânia soltar, admiradamente, exclamações ao escutar Marcel Powell tocar Samba da bênção, de seu pai, Baden Powell, e de Vinícius de Moraes. Este, aliás, é o pai criador de grande parte das canções do filme, fruto do último trabalho da cantora, Bethânia canta Vinícius.
Música é perfume faz pensar. Faz sentir. Arrepia. Não é a obra-prima da não-ficção. Mas, certamente, tem uma importante missão: tornar público e imortalizar a vida e a obra de Maria Bethânia, que, inegavelmente, é tempero forte na cultura nacional, multicolorida.
Filho da geração Coca-cola
* Esta matéria foi publicada em junho de 2006. É o perfil de Dado Villa-Lobos, ex-guitarrista da Legião Urbana. Ela também representa muito para mim: entrevistar um ídolo é sempre emocionante.
Ele, definitvamente, não é mais do mesmo. Permitiu-se inovar e enveredar por outros caminhos. Ao completar 41 anos, na última quinta-feira, Eduardo Dutra Villa-Lobos, ou simplesmente Dado Villa-Lobos, o ex-guitarrista da lendária Legião Urbana, segue sua carreira muito bem, obrigado.
Filho de diplomata, Dado nasceu em Bruxelas (Bélgica). Mas foi em Brasília – onde chegou em 1971 para morar na 104 Sul, bloco E, apartamento 502 – que ele cresceu e conheceu o grupo de amigos com quem viveu o auge do punk rock candango. "Brasília foi onde eu me alfabetizei", define, lembrando dos tempos em que estudou na Escola Parque 304.
Da infância na capital, o aspecto empoeirado das primeiras décadas e a calmaria são as principais lembranças. "Eu me lembro da terra vermelha e de uma certa liberdade de ficar, com segurança, na rua. Quando chovia, a gente rolava na lama", conta. "A gente gostava também de andar de skate, bike e carrinho de rolemã", diz, relembrando das brincadeiras com os amigos de infância Dinho Ouro Preto e Bi Ribeiro, ambos também filhos de diplomatas.
Aos 14, 15 anos, numa situação inusitada, conheceu a turma do punk. "Numa tarde, eu estava sentado embaixo do bloco, vendo as meninas passarem, quando apareceram quatro monstros: Renato (Russo), Fê e Flávio (Lemos) e um outro, que não lembro quem era. Eles picharam na garagem do prédio as iniciais AE, de Aborto Elétrico (banda em que tocavam na época). Fiquei curioso para conhecê-los", admite.
"Dias depois, o Aborto Elétrico tocou no Cafofo, que ficava na 408. Eu os conheci e nós começamos a nos freqüentar." Pronto. Estava dado o primeiro passo para a guinada na vida de Eduardo. Os acampamentos para o Tororó e a "troca de figurinhas" musical mexeram com a vida do então estudante de Sociologia. Tanto que ele montou, juntamente com Dinho, Marcelo Bonfá, Loro Jones e Pedro Flores, a banda Dado e o Reino Animal, que durou apenas dois meses.
Decidido a ir estudar em Marselha, em 1983, o sobrinho neto do maestro Heitor Villa-Lobos mudou de planos ao ser convidado para dedilhar os acordes de guitarra da Legião Urbana, que já tinha um ano de existência. "Eles ficaram sem guitarrista e tinham uma apresentação no Teatro da OAB (616 Sul) com a Plube (Rude), o Capital (Inicial) e a XXX. Então aceitei. Nós fizemos várias músicas nesse mês da apresentação. E esse acabou virando o repertório do primeiro disco."
Começou, então, a trajetória de uma das bandas de rock mais conclamadas do País. Nove discos gravados enquanto o grupo ainda existia e mais dois depois da morte do líder, Renato Russo. Sucessos como Eduardo e Mônica, Que país é este?, Pais e filhos, a preferida de Dado, e Faroeste caboclo, que marcaram a vida de milhares de jovens que seguiam o grupo, em busca de entender o amor, protestar contra a injustiça, liberta-se. "As pessoas se identificaram e se identificam muito com a Legião. Tem muito do universal, do imaginário e do comportamento da juventude. As pessoas continuam buscando informação e emoção. Ficou uma coisa atemporal", faz o balanço.
Arriscando-se no jardim de "cactus"
Mas depois do fim do grupo, Dado Villa-Lobos continuou fazendo o que mais gosta: música. Morando no Rio desde 1985, ele criou, em 1992, uma forma de continuar a fazê-la, mesmo sem a Legião Urbana: criou a gravadora independente Rock it!. Desde então, o "irmão caçula" de Renato Russo produz trilhas sonoras para cinema e lança novos artistas.
"Minha vida musical não era fechada. Eu tinha muitos amigos em outras áreas. A Rock it! me aproximou das coisas da música e me abriu portas." E ele não parou por aí. Resolveu desafiar-se e lançou, em 2005, o disco Jardim de cactus. "Esse foi um grande desafio. Tive de retomar a história de contar alguma coisa. Depois que o Laufer (Carlos Laufer, co-produtor do CD) disse para fazer meu disco fui buscar parceiros, letristas", conta, apontando os nomes dos afortunados: Paula Toller, Fausto Fawcet, China, Tony Platão.
Além de tocar, Dado também inova nos vocais. "Cantar é uma etapa incrível. É um novo instrumento, que me permite ver até onde eu posso ir e interpretar as canções. Até chegar perto do que seria a satisfação", conta. "Foi muito bom", completa.
Na vida pessoal, Dado vive um casamento de 20 anos com Fernanda Villa-Lobos. Pai coruja, fala orgulhoso dos dois filhos Nicolau, 18, que estuda Comunicação Social, e Miranda, 16, que já é estilista. "A gente é muito próximo."
Mesmo tendo amigos e parentes em Brasília, Dado diz que sua vida está no Rio de Janeiro. "Tenho um círculo (de pessoas) bom aqui. Mas tenho uma estima grande, um carinho por Brasília. Sou um paladino dessa cidade."
Ele, definitvamente, não é mais do mesmo. Permitiu-se inovar e enveredar por outros caminhos. Ao completar 41 anos, na última quinta-feira, Eduardo Dutra Villa-Lobos, ou simplesmente Dado Villa-Lobos, o ex-guitarrista da lendária Legião Urbana, segue sua carreira muito bem, obrigado.
Filho de diplomata, Dado nasceu em Bruxelas (Bélgica). Mas foi em Brasília – onde chegou em 1971 para morar na 104 Sul, bloco E, apartamento 502 – que ele cresceu e conheceu o grupo de amigos com quem viveu o auge do punk rock candango. "Brasília foi onde eu me alfabetizei", define, lembrando dos tempos em que estudou na Escola Parque 304.
Da infância na capital, o aspecto empoeirado das primeiras décadas e a calmaria são as principais lembranças. "Eu me lembro da terra vermelha e de uma certa liberdade de ficar, com segurança, na rua. Quando chovia, a gente rolava na lama", conta. "A gente gostava também de andar de skate, bike e carrinho de rolemã", diz, relembrando das brincadeiras com os amigos de infância Dinho Ouro Preto e Bi Ribeiro, ambos também filhos de diplomatas.
Aos 14, 15 anos, numa situação inusitada, conheceu a turma do punk. "Numa tarde, eu estava sentado embaixo do bloco, vendo as meninas passarem, quando apareceram quatro monstros: Renato (Russo), Fê e Flávio (Lemos) e um outro, que não lembro quem era. Eles picharam na garagem do prédio as iniciais AE, de Aborto Elétrico (banda em que tocavam na época). Fiquei curioso para conhecê-los", admite.
"Dias depois, o Aborto Elétrico tocou no Cafofo, que ficava na 408. Eu os conheci e nós começamos a nos freqüentar." Pronto. Estava dado o primeiro passo para a guinada na vida de Eduardo. Os acampamentos para o Tororó e a "troca de figurinhas" musical mexeram com a vida do então estudante de Sociologia. Tanto que ele montou, juntamente com Dinho, Marcelo Bonfá, Loro Jones e Pedro Flores, a banda Dado e o Reino Animal, que durou apenas dois meses.
Decidido a ir estudar em Marselha, em 1983, o sobrinho neto do maestro Heitor Villa-Lobos mudou de planos ao ser convidado para dedilhar os acordes de guitarra da Legião Urbana, que já tinha um ano de existência. "Eles ficaram sem guitarrista e tinham uma apresentação no Teatro da OAB (616 Sul) com a Plube (Rude), o Capital (Inicial) e a XXX. Então aceitei. Nós fizemos várias músicas nesse mês da apresentação. E esse acabou virando o repertório do primeiro disco."
Começou, então, a trajetória de uma das bandas de rock mais conclamadas do País. Nove discos gravados enquanto o grupo ainda existia e mais dois depois da morte do líder, Renato Russo. Sucessos como Eduardo e Mônica, Que país é este?, Pais e filhos, a preferida de Dado, e Faroeste caboclo, que marcaram a vida de milhares de jovens que seguiam o grupo, em busca de entender o amor, protestar contra a injustiça, liberta-se. "As pessoas se identificaram e se identificam muito com a Legião. Tem muito do universal, do imaginário e do comportamento da juventude. As pessoas continuam buscando informação e emoção. Ficou uma coisa atemporal", faz o balanço.
Arriscando-se no jardim de "cactus"
Mas depois do fim do grupo, Dado Villa-Lobos continuou fazendo o que mais gosta: música. Morando no Rio desde 1985, ele criou, em 1992, uma forma de continuar a fazê-la, mesmo sem a Legião Urbana: criou a gravadora independente Rock it!. Desde então, o "irmão caçula" de Renato Russo produz trilhas sonoras para cinema e lança novos artistas.
"Minha vida musical não era fechada. Eu tinha muitos amigos em outras áreas. A Rock it! me aproximou das coisas da música e me abriu portas." E ele não parou por aí. Resolveu desafiar-se e lançou, em 2005, o disco Jardim de cactus. "Esse foi um grande desafio. Tive de retomar a história de contar alguma coisa. Depois que o Laufer (Carlos Laufer, co-produtor do CD) disse para fazer meu disco fui buscar parceiros, letristas", conta, apontando os nomes dos afortunados: Paula Toller, Fausto Fawcet, China, Tony Platão.
Além de tocar, Dado também inova nos vocais. "Cantar é uma etapa incrível. É um novo instrumento, que me permite ver até onde eu posso ir e interpretar as canções. Até chegar perto do que seria a satisfação", conta. "Foi muito bom", completa.
Na vida pessoal, Dado vive um casamento de 20 anos com Fernanda Villa-Lobos. Pai coruja, fala orgulhoso dos dois filhos Nicolau, 18, que estuda Comunicação Social, e Miranda, 16, que já é estilista. "A gente é muito próximo."
Mesmo tendo amigos e parentes em Brasília, Dado diz que sua vida está no Rio de Janeiro. "Tenho um círculo (de pessoas) bom aqui. Mas tenho uma estima grande, um carinho por Brasília. Sou um paladino dessa cidade."
Na volta da esquina
* A matéria abaixo foi publicada há cerca de dois anos. Posto-a aqui porque é um dos grandes xodós jornalísticos. Foi um mês de apuração - ela seria um especial e virou meia página de jornal. Aqui não está um décimo do que o poeta Mário Quintana foi. Mas está um fragmento deste homem, poeta, pensador, crítico que tanto admiro.
Fala pausada, voz cavernosa, comportamento introspectivo. Um andarilho das ruas de Porto Alegre. Uma pessoa capaz de passar horas calada, observando discussões e reuniões e, repentinamente, soltar uma única e desconcertante frase, uma brilhante sacada. Assim era o homem Mário de Miranda Quintana, que no próximo domingo completaria cem anos.
Em celebração à vida e à obra deste "lírico bem-humorado" – como alguns de seus grandes amigos o definiram –, espalham-se pelo país exposições, recitais, saraus, reedições (leia o quadro). Em Brasília, o projeto Literatura em Conjunto reúne, amanhã, o escritor Fabrício Carpinejar e o jornalista Paulo Paniago para falar sobre a poesia e a prosa de Mário Quintana, além da presença dos atores Adeilton Lima e Catarina Accioly, que interpretarão trechos de sua indefinível e representativa obra.
Gaúcho de Alegrete (nascido em 30 de julho de 1906), extremo oeste do estado, desde os tempos de menino sentia, na arte de escrever, grande prazer. Aprendeu as letras em casa, com o pai. Os anos de estudo oficial foram poucos: concluiu apenas o científico (equivalente ao Ensino Médio atual) no Colégio Militar de Porto Alegre, em regime de internato. Mas sabia, como poucos, dominar a escrita – dizer, em poucas palavras, reflexões sobre o mundo, a existência, os mistérios e desenganos da vida.
Não surpreende, portanto, que ele tenha feito das palavras a sua forma de sustento (financeiro e espiritual) até o fim da vida, quando ainda escrevia em jornais gaúchos. Logo depois de ter trabalhado na Livraria do Globo, em Porto Alegre, e cooperado na farmácia dos pais Virgínia e Celso – mortos, respectivamente, em 1926 e 1927 –, em Alegrete, Quintana ingressou no jornal O Estado do Rio Grande do Sul. Desde então, exerceu as atividades de tradutor (passando para o português clássicos das línguas francesa e inglesa, como Marcel Proust e Virginia Woolf), jornalista e escritor. Sua primeira obra foi o livro de sonetos A rua dos cataventos, pela Editora Globo, em 1940.
Um solitário, que, depois da ida para a capital gaúcha, morou até seus últimos dias entre pensões e hotéis do centro da cidade. "Ele não queria ocupar-se dessas coisas materiais, limpar, passar. Quando eu perguntava a ele se nunca quisera ter casa, sempre respondia: ‘eu moro em mim mesmo’", relembra a amiga e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Tânia Franco Carvalhal, que o conheceu nos tempos de menina, quando seu pai, Aloizio Franco – colaborador do jornal Correio do Povo, onde Quintana publicou o suplemento literário Do Caderno H entre 1953 e 1980 –, levava-a para "ficar ao lado do poeta".
Em 1968, depois de alugar quartos em casas de famílias, foi morar no primeiro hotel, o Majestic, onde viveu até 1980. De arquitetura influenciada pela Belle Époque, situado na estreita Rua da Praia, o prédio, em 1982, foi tombado como patrimônio histórico da humanidade e, no ano seguinte, virou a Casa de Cultura Mário Quintana (CCMQ), instituição cultural do governo gaúcho. Depois, viveu por pouco tempo no Hotel Presidente, na rua Salgado Filho. Não tardou, e o Correio do Povo fechou. "Essa foi uma fase de vida muito complicada. O Correio e o Hotel Presidente estavam fechados e tio Mário estava internado, tinha feito uma cirurgia de catarata nos olhos", conta Elena Quintana, a sobrinha-neta de Mário que o acompanhou de 1979 até a hora de sua morte, e para quem o poeta confiou a guarda de sua obra.
Depois de buscar outro lar para o tio e não encontrar, Elena desabafou com um amigo, Jesus. "Por intermédio do Jesus, o Falcão (ex-jogador de futebol, hoje comentarista da TV Globo) soube, nos procurou no hospital e se colocou à disposição. Disse que tinha um hotel (o Royal), onde meu tio não precisaria pagar enquanto estivesse naquela situação. Pagava quando pudesse. O tio ficou lá até os 80 anos de idade, quando ganhou um quarto no Porto Alegre Residence."
Perseguido por incêndios
Entre as poucas paredes dos cômodos onde viveu, Quintana cuidava de seus afazeres intelectuais. De hábitos noturnos, gostava de deixar a TV ligada, sem som, durante as madrugadas, entre um verso e outro. Assistia a filmes de terror "de baixa qualidade". As películas, aliás, eram outra paixão. "Ele ia quase todas as tarde ao cinema. Nem via qual era o filme em cartaz. Se fosse ruim, dormia."
Sem nunca ter se casado, tinha em Greta Garbo e em Cecília Meireles (um grande e não-realizado amor) suas musas inspiradoras. "Tinham as mulheres que gostavam dele, mas ninguém ia conseguir casar com ele. Tio Mário trabalhava até tarde e depois ia para os bares beber com os amigos", conta, aos risos, a sobrinha. "Cecília foi uma grande paixão. Quando falava nela, era uma emoção enorme." Tanto que, no dia da morte da poetisa, em 1964, a grande amiga Eloí Calage o seguiu por horas, com receio de que ele retomasse o vício da bebida, sustentado desde os 14 anos e abandonado, então, havia pouco tempo.
Mário Quintana foi um "homem perseguido por incêndios", como define Elena. Passou por quatro deles, quando perdeu diversos textos, entre cartas e poemas. Curiosamente, o escritor e amigo Charles Kiefer credita ao poeta o fato de ter conseguido salvar-se de tragédia parecida. "No dia do enterro dele, eu ia da minha casa para o velório, no Palácio do Piratini, quando tive uma sensação ruim. Voltei para casa e o quarto da minha filha estava pegando fogo. O ferro de passar tinha ficado ligado. Na hora, pensei ‘foi o Mário que me avisou’. Foi uma coisa meio espiritual", acredita.
Dono de um humor por vezes até sarcástico, o gaúcho tinha duas únicas mágoas na vida: não ter traduzido dois livros de Proust, porque a Editora Globo argumentou que ele estava demorando muito tempo para fazê-las, e o fato de seu pai, Celso, ter proibido sua tia Béia (que ajudou a criá-lo) de produzir flores de pano para vender. "Seu Celso disse que mulher, na casa dele, não ia trabalhar." O afeto por essa tia era tanto que ele passou a vida inteira jogando o número de seu túmulo no bicho. Acreditava que lhe daria sorte.
Sua vida esvaiu-se aos poucos. Por causa de uma infecção intestinal, foi para o hospital hidratar-se. "Era uma coisa normal em crianças e idosos. Mas ele tinha o hábito de tomar líquido deitado. E acabou engasgando de maneira muito violenta. Teve um edema de glote, depois, uma parada cardíaca e acabou na UTI, quando morreu", recorda Elena. "Na tarde do dia 5 de maio de 1994, eu e a sobrinha dele, Elena, estávamos ao seu lado, segurando-lhe as mãos, na UTI do Hospital Moinhos de Vento. É um dos meus remorsos incuráveis. Quando o deixei para fumar um cigarro, ele morreu", lamenta o contista e amigo Sérgio Faraco.
Fala pausada, voz cavernosa, comportamento introspectivo. Um andarilho das ruas de Porto Alegre. Uma pessoa capaz de passar horas calada, observando discussões e reuniões e, repentinamente, soltar uma única e desconcertante frase, uma brilhante sacada. Assim era o homem Mário de Miranda Quintana, que no próximo domingo completaria cem anos.
Em celebração à vida e à obra deste "lírico bem-humorado" – como alguns de seus grandes amigos o definiram –, espalham-se pelo país exposições, recitais, saraus, reedições (leia o quadro). Em Brasília, o projeto Literatura em Conjunto reúne, amanhã, o escritor Fabrício Carpinejar e o jornalista Paulo Paniago para falar sobre a poesia e a prosa de Mário Quintana, além da presença dos atores Adeilton Lima e Catarina Accioly, que interpretarão trechos de sua indefinível e representativa obra.
Gaúcho de Alegrete (nascido em 30 de julho de 1906), extremo oeste do estado, desde os tempos de menino sentia, na arte de escrever, grande prazer. Aprendeu as letras em casa, com o pai. Os anos de estudo oficial foram poucos: concluiu apenas o científico (equivalente ao Ensino Médio atual) no Colégio Militar de Porto Alegre, em regime de internato. Mas sabia, como poucos, dominar a escrita – dizer, em poucas palavras, reflexões sobre o mundo, a existência, os mistérios e desenganos da vida.
Não surpreende, portanto, que ele tenha feito das palavras a sua forma de sustento (financeiro e espiritual) até o fim da vida, quando ainda escrevia em jornais gaúchos. Logo depois de ter trabalhado na Livraria do Globo, em Porto Alegre, e cooperado na farmácia dos pais Virgínia e Celso – mortos, respectivamente, em 1926 e 1927 –, em Alegrete, Quintana ingressou no jornal O Estado do Rio Grande do Sul. Desde então, exerceu as atividades de tradutor (passando para o português clássicos das línguas francesa e inglesa, como Marcel Proust e Virginia Woolf), jornalista e escritor. Sua primeira obra foi o livro de sonetos A rua dos cataventos, pela Editora Globo, em 1940.
Um solitário, que, depois da ida para a capital gaúcha, morou até seus últimos dias entre pensões e hotéis do centro da cidade. "Ele não queria ocupar-se dessas coisas materiais, limpar, passar. Quando eu perguntava a ele se nunca quisera ter casa, sempre respondia: ‘eu moro em mim mesmo’", relembra a amiga e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Tânia Franco Carvalhal, que o conheceu nos tempos de menina, quando seu pai, Aloizio Franco – colaborador do jornal Correio do Povo, onde Quintana publicou o suplemento literário Do Caderno H entre 1953 e 1980 –, levava-a para "ficar ao lado do poeta".
Em 1968, depois de alugar quartos em casas de famílias, foi morar no primeiro hotel, o Majestic, onde viveu até 1980. De arquitetura influenciada pela Belle Époque, situado na estreita Rua da Praia, o prédio, em 1982, foi tombado como patrimônio histórico da humanidade e, no ano seguinte, virou a Casa de Cultura Mário Quintana (CCMQ), instituição cultural do governo gaúcho. Depois, viveu por pouco tempo no Hotel Presidente, na rua Salgado Filho. Não tardou, e o Correio do Povo fechou. "Essa foi uma fase de vida muito complicada. O Correio e o Hotel Presidente estavam fechados e tio Mário estava internado, tinha feito uma cirurgia de catarata nos olhos", conta Elena Quintana, a sobrinha-neta de Mário que o acompanhou de 1979 até a hora de sua morte, e para quem o poeta confiou a guarda de sua obra.
Depois de buscar outro lar para o tio e não encontrar, Elena desabafou com um amigo, Jesus. "Por intermédio do Jesus, o Falcão (ex-jogador de futebol, hoje comentarista da TV Globo) soube, nos procurou no hospital e se colocou à disposição. Disse que tinha um hotel (o Royal), onde meu tio não precisaria pagar enquanto estivesse naquela situação. Pagava quando pudesse. O tio ficou lá até os 80 anos de idade, quando ganhou um quarto no Porto Alegre Residence."
Perseguido por incêndios
Entre as poucas paredes dos cômodos onde viveu, Quintana cuidava de seus afazeres intelectuais. De hábitos noturnos, gostava de deixar a TV ligada, sem som, durante as madrugadas, entre um verso e outro. Assistia a filmes de terror "de baixa qualidade". As películas, aliás, eram outra paixão. "Ele ia quase todas as tarde ao cinema. Nem via qual era o filme em cartaz. Se fosse ruim, dormia."
Sem nunca ter se casado, tinha em Greta Garbo e em Cecília Meireles (um grande e não-realizado amor) suas musas inspiradoras. "Tinham as mulheres que gostavam dele, mas ninguém ia conseguir casar com ele. Tio Mário trabalhava até tarde e depois ia para os bares beber com os amigos", conta, aos risos, a sobrinha. "Cecília foi uma grande paixão. Quando falava nela, era uma emoção enorme." Tanto que, no dia da morte da poetisa, em 1964, a grande amiga Eloí Calage o seguiu por horas, com receio de que ele retomasse o vício da bebida, sustentado desde os 14 anos e abandonado, então, havia pouco tempo.
Mário Quintana foi um "homem perseguido por incêndios", como define Elena. Passou por quatro deles, quando perdeu diversos textos, entre cartas e poemas. Curiosamente, o escritor e amigo Charles Kiefer credita ao poeta o fato de ter conseguido salvar-se de tragédia parecida. "No dia do enterro dele, eu ia da minha casa para o velório, no Palácio do Piratini, quando tive uma sensação ruim. Voltei para casa e o quarto da minha filha estava pegando fogo. O ferro de passar tinha ficado ligado. Na hora, pensei ‘foi o Mário que me avisou’. Foi uma coisa meio espiritual", acredita.
Dono de um humor por vezes até sarcástico, o gaúcho tinha duas únicas mágoas na vida: não ter traduzido dois livros de Proust, porque a Editora Globo argumentou que ele estava demorando muito tempo para fazê-las, e o fato de seu pai, Celso, ter proibido sua tia Béia (que ajudou a criá-lo) de produzir flores de pano para vender. "Seu Celso disse que mulher, na casa dele, não ia trabalhar." O afeto por essa tia era tanto que ele passou a vida inteira jogando o número de seu túmulo no bicho. Acreditava que lhe daria sorte.
Sua vida esvaiu-se aos poucos. Por causa de uma infecção intestinal, foi para o hospital hidratar-se. "Era uma coisa normal em crianças e idosos. Mas ele tinha o hábito de tomar líquido deitado. E acabou engasgando de maneira muito violenta. Teve um edema de glote, depois, uma parada cardíaca e acabou na UTI, quando morreu", recorda Elena. "Na tarde do dia 5 de maio de 1994, eu e a sobrinha dele, Elena, estávamos ao seu lado, segurando-lhe as mãos, na UTI do Hospital Moinhos de Vento. É um dos meus remorsos incuráveis. Quando o deixei para fumar um cigarro, ele morreu", lamenta o contista e amigo Sérgio Faraco.
Wednesday, April 30, 2008
Cores
*Para Malu, Sara, Rosana, Lívia e Renata
Nunca fora completamente incolor. Sempre tivera suas cores e pinceladas, em diferentes tons, em alternadas intensidades. Umas mais concentradas; outras, praticamente imperceptíveis. Mas inevitavelmente estruturais. Era uma tela vivaz e instigante. Andava, todavia, um tanto acinzentada demais. Faltava-lhe o sentido vibratório das combinações, das novas experimentações. Quando uma cor predomina e deixa de provocar, é simplesmente vital escancarar-se para novos tracejos, nas mais variadas tonalidades.
E no acaso de uma mistura, eis que se descobre um verde único, o qual, numa tentativa de aproximação, comparar-se-ia ao mar de Angra. Nada frio, porém. Contrariamente acalentador, aconchegante, confortável. Diria até, inimaginavelmente, seguro. Acrescentou detalhes ternos, sinceros, amorosos. E trouxe consigo, de mãos dadas, um azul iluminador, meio que de rompante. Dele, eram emitidas ondas que rebatiam muito do já concreto. Questionadoras e incômodas. Mas nem um pouco dispensáveis. De fato, instigava mais e mais riscos na tonalidade curiosa a que chegara sobre as demais.
Quando achava que era gracejo suficiente tanta vida em pouco tempo, novas tintas pularam sobre o quadro. Ainda que seja obscuro, o preto nada tem de frívolo. Deu sobriedade, e fez graça ao encontra-se com os laranjas e cores-de-rosa de outros tempos. O preto bem que tentou ser intermitente. Mas surpreendeu-se quando viu que, na verdade, era tão energizante quanto as demais cores. Ganhava força vibrante com a densa cor-de-aurora arroxeada, surgida elegante e cheia de doçura. Da combinação perfeita entre tons criou-se uma aquarela indescritível, a qual só se tornou compreensível para quem ousou olhá-la.
Na tela antes cinza e agora invadida pela beleza das cores, tomou-se de pronto uma alegria há muito esquecida. A mistura das novas tonalidades com as pinceladas de outrora formou uma obra-prima. Não há, no entanto, raridade estética que não permita novas interpretações e, por que não?, mais e mais interferências. E, por ver as molduras livres, o branco, antes ciumento e desconfiado, aproximou-se e, sem precisar de autorização, (ar)riscou-se, arrebatadoramente, sobre a paisagem abstrata. E, como lhe é essencial, uniu as demais cores em uma só luz, um terno brilho, refletido em vibrantes encontros de vértices, curvas, pontos, respingos.
Aquela tela, uma outra vez, deixara de ser meramente um espaço pálido. Ganhou, gratuitamente, o calor de um arco-íris pleno de beleza e ternura. O calor de combinações de valor inestimável, que tornaram aquela superfície mais que um tecido apregoado, deu-lhe status de obra de arte, aberta e exposta na galeria onde qualquer ser pode entrar: a sincera alma da artista que a imagina.
Nunca fora completamente incolor. Sempre tivera suas cores e pinceladas, em diferentes tons, em alternadas intensidades. Umas mais concentradas; outras, praticamente imperceptíveis. Mas inevitavelmente estruturais. Era uma tela vivaz e instigante. Andava, todavia, um tanto acinzentada demais. Faltava-lhe o sentido vibratório das combinações, das novas experimentações. Quando uma cor predomina e deixa de provocar, é simplesmente vital escancarar-se para novos tracejos, nas mais variadas tonalidades.
E no acaso de uma mistura, eis que se descobre um verde único, o qual, numa tentativa de aproximação, comparar-se-ia ao mar de Angra. Nada frio, porém. Contrariamente acalentador, aconchegante, confortável. Diria até, inimaginavelmente, seguro. Acrescentou detalhes ternos, sinceros, amorosos. E trouxe consigo, de mãos dadas, um azul iluminador, meio que de rompante. Dele, eram emitidas ondas que rebatiam muito do já concreto. Questionadoras e incômodas. Mas nem um pouco dispensáveis. De fato, instigava mais e mais riscos na tonalidade curiosa a que chegara sobre as demais.
Quando achava que era gracejo suficiente tanta vida em pouco tempo, novas tintas pularam sobre o quadro. Ainda que seja obscuro, o preto nada tem de frívolo. Deu sobriedade, e fez graça ao encontra-se com os laranjas e cores-de-rosa de outros tempos. O preto bem que tentou ser intermitente. Mas surpreendeu-se quando viu que, na verdade, era tão energizante quanto as demais cores. Ganhava força vibrante com a densa cor-de-aurora arroxeada, surgida elegante e cheia de doçura. Da combinação perfeita entre tons criou-se uma aquarela indescritível, a qual só se tornou compreensível para quem ousou olhá-la.
Na tela antes cinza e agora invadida pela beleza das cores, tomou-se de pronto uma alegria há muito esquecida. A mistura das novas tonalidades com as pinceladas de outrora formou uma obra-prima. Não há, no entanto, raridade estética que não permita novas interpretações e, por que não?, mais e mais interferências. E, por ver as molduras livres, o branco, antes ciumento e desconfiado, aproximou-se e, sem precisar de autorização, (ar)riscou-se, arrebatadoramente, sobre a paisagem abstrata. E, como lhe é essencial, uniu as demais cores em uma só luz, um terno brilho, refletido em vibrantes encontros de vértices, curvas, pontos, respingos.
Aquela tela, uma outra vez, deixara de ser meramente um espaço pálido. Ganhou, gratuitamente, o calor de um arco-íris pleno de beleza e ternura. O calor de combinações de valor inestimável, que tornaram aquela superfície mais que um tecido apregoado, deu-lhe status de obra de arte, aberta e exposta na galeria onde qualquer ser pode entrar: a sincera alma da artista que a imagina.
Tuesday, April 01, 2008
Soneto para minha cara-metade
Minha cara-metade quer se casar
Vai vestir branco, comer bolo, bailar
Minha cara-metade é minha irmã
Uma amiga, minha alma gêmea, um talismã
Que a festa seja extensa
Pela vida afora, plena
E que não faltem motivos
para sua monocova se mostrar
Desejo beijos mil
Amor pulsante
Abraço adolescente
Espero sempre ter faísca no pavil
Confiança, cumplicidade
E uma pitada de olhar inocente.
Vai vestir branco, comer bolo, bailar
Minha cara-metade é minha irmã
Uma amiga, minha alma gêmea, um talismã
Que a festa seja extensa
Pela vida afora, plena
E que não faltem motivos
para sua monocova se mostrar
Desejo beijos mil
Amor pulsante
Abraço adolescente
Espero sempre ter faísca no pavil
Confiança, cumplicidade
E uma pitada de olhar inocente.
Ceilândia: simples e afetuosa
* Crônica publicada no jornal Aqui DF de 27 de março de 2008
Das minhas memórias mais longíquas, recordo-me bem quando, aos 3 anos, freqüentava a escolinha Jeca Tatu, devidamente distribuída entre os cômodos de uma casa na QNP 9. As brincadeiras de "estátua"e a gritaria na hora do recreio reaparecem agora como há mais de 20 anos.
Naquele cenário empoeirado e alegre, vivi desde os primeiros dias de vida até 2006. A rua, por muitos anos de terra e cascalho, tinha casas germinadas e vizinhos que viraram compadres. Entre os dias mais festivos da QNP 5, a chegada do asfalto, no início dos anos 1990, volta como um filme. No quadro-a-quadro, os moradores lavando suas calçadas enquanto a molecada desliza, faceira, sobre a pavimentação ainda quente, com seus patins, bicicletas e skates.
No início da juventude, a graça maior era atravessar a pé o campo de terra em frente à Fundação Bradesco – onde hoje está o Ceilambódromo – e andar uns bons quilômetros até a Feira de Ceilândia para visitar a melhor amiga. O lazer na cidade era parco. Sem teatro, cinema ou sala do tipo, inventávamos nosso próprio entretenimento para o ócio juvenil. E talvez pela falta de iniciativa externa, formamos tantas bandas, grupos cênicos, artistas plásticos "de quintal". E nisso, inegavelmente, a direção do então Centro de Ensino Médio 13 – agora 11 – foi fundamental: as portas da escola estavam sempre abertas para as nossas saudáveis aventuras.
Da igreja São Marcos e São Lucas ao fervilhante Centro. Das salas de aula ao quadradão, onde sentávamos para tocar violão. Dos tempos de voluntariado no hospital regional aos de alfabetizadora no Setor de Chácaras. Em Ceilândia, cresci e aprendi a ser gente. Fui moleca, estudante, adolescente. Chorei pela violência contra os meus e sorri por cada amigo e amiga que ainda levo comigo. E é por tantos momentos inesquecíveis que presto esta modesta homenagem aos 37 anos de Ceilândia, celebrados hoje. A cidade que clama por atenção. Mas que, para os que nela vivem, toca-lhes a alma com simplicidade e afeto.
Das minhas memórias mais longíquas, recordo-me bem quando, aos 3 anos, freqüentava a escolinha Jeca Tatu, devidamente distribuída entre os cômodos de uma casa na QNP 9. As brincadeiras de "estátua"e a gritaria na hora do recreio reaparecem agora como há mais de 20 anos.
Naquele cenário empoeirado e alegre, vivi desde os primeiros dias de vida até 2006. A rua, por muitos anos de terra e cascalho, tinha casas germinadas e vizinhos que viraram compadres. Entre os dias mais festivos da QNP 5, a chegada do asfalto, no início dos anos 1990, volta como um filme. No quadro-a-quadro, os moradores lavando suas calçadas enquanto a molecada desliza, faceira, sobre a pavimentação ainda quente, com seus patins, bicicletas e skates.
No início da juventude, a graça maior era atravessar a pé o campo de terra em frente à Fundação Bradesco – onde hoje está o Ceilambódromo – e andar uns bons quilômetros até a Feira de Ceilândia para visitar a melhor amiga. O lazer na cidade era parco. Sem teatro, cinema ou sala do tipo, inventávamos nosso próprio entretenimento para o ócio juvenil. E talvez pela falta de iniciativa externa, formamos tantas bandas, grupos cênicos, artistas plásticos "de quintal". E nisso, inegavelmente, a direção do então Centro de Ensino Médio 13 – agora 11 – foi fundamental: as portas da escola estavam sempre abertas para as nossas saudáveis aventuras.
Da igreja São Marcos e São Lucas ao fervilhante Centro. Das salas de aula ao quadradão, onde sentávamos para tocar violão. Dos tempos de voluntariado no hospital regional aos de alfabetizadora no Setor de Chácaras. Em Ceilândia, cresci e aprendi a ser gente. Fui moleca, estudante, adolescente. Chorei pela violência contra os meus e sorri por cada amigo e amiga que ainda levo comigo. E é por tantos momentos inesquecíveis que presto esta modesta homenagem aos 37 anos de Ceilândia, celebrados hoje. A cidade que clama por atenção. Mas que, para os que nela vivem, toca-lhes a alma com simplicidade e afeto.
Monday, March 10, 2008
Amor além das retinas
*Para o mais belo luar já visto
De tudo o que roubei
Você foi o melhor momento
Mas na existência
Nada se leva
O que vale é a lembrança
Só ela, enquanto há sopro,
Mantém a chama acesa
Perdoe se lhe arranquei lágrimas
A real vontade era tomar-lhe suspiros
Mas do que sobrou
Apenas teu olhar levo comigo
E a lembrança de teu gozo e de teu triste tremor
Na calada de um dia atípico
Pude rever este brilho
Nada que deixasse um único fio de esperança
Apesar do amor escondido além das retinas
O que resta é querer-te bem, meu menino
Suspirar em pensamento a cada passo teu
E deleitar-me com as lembranças do que fomos
De tudo o que roubei
Você foi o melhor momento
Mas na existência
Nada se leva
O que vale é a lembrança
Só ela, enquanto há sopro,
Mantém a chama acesa
Perdoe se lhe arranquei lágrimas
A real vontade era tomar-lhe suspiros
Mas do que sobrou
Apenas teu olhar levo comigo
E a lembrança de teu gozo e de teu triste tremor
Na calada de um dia atípico
Pude rever este brilho
Nada que deixasse um único fio de esperança
Apesar do amor escondido além das retinas
O que resta é querer-te bem, meu menino
Suspirar em pensamento a cada passo teu
E deleitar-me com as lembranças do que fomos
Ensaio sobre a solidão
Sempre soou um tanto exagerada a afirmação de que "o mal do século é a solidão". E clichê a descrição do sentir-se só em meio a uma multidão. Embora reproduzisse estes discursos com veemência – não por ingenuidade, mas por saber que de certa forma faziam sentido –, nunca os sentira como agora. A solidão é mais que estar só. É não saber para onde olhar quando os olhos marejam; é não conseguir discar um único número completo para poder desabafar; é estar ao lado de duas pessoas e sentir-se solenemente ignorada; é vivenciar um aperto tão intenso quanto a tristeza de perder alguém para o mistério da morte.
Talvez você, que agora lê estas solitárias linhas, ache tudo um sem-número de melancolias injustificadas. Ou reflita sobre a vida da autora e desacredite ser possível alguém sentir-se assim, com tudo o que fora conquistado. Mas a solidão não escolhe classe. Tampouco idade, sexo, religião. Ela simplesmente invade até o mais aberto dos corações. Até quem veja na humanidade e na dedicação ao próximo seu modus vivendi.
Agora ocorre-me a idéia existencialista de "náusea". A náusea, segundo Sartre, é o despertar para a humanidade, para uma nova atuação social, para a inquietação de uma vida incorformável. Seria esta dor quase insuportável o embrulho no referido olhar? Deveria minh’alma arreganhar suas janelas para o que faz no dia a dia?
Curiosamente, apontam-me pela simpatia, pela sinceridade, por uma tal sensibilidade. Até que profundidade, porém, os afagos desta entristecida aura alcançam os corações dos amigos desejados? E que doçura é esta que só colhe indiferença, desconsideração, isolamento?
Mestre, rogai por estas amarguras. Por aquilo que não é possível superar, simplesmente. Pelas marcas que ficam quando as lágrimas descem de saudade do riso, do gozo e do amor que ainda não chegaram. Ou mesmo que vieram, mas que nada mais são do que saborosas lembranças de um passado distante...
Talvez você, que agora lê estas solitárias linhas, ache tudo um sem-número de melancolias injustificadas. Ou reflita sobre a vida da autora e desacredite ser possível alguém sentir-se assim, com tudo o que fora conquistado. Mas a solidão não escolhe classe. Tampouco idade, sexo, religião. Ela simplesmente invade até o mais aberto dos corações. Até quem veja na humanidade e na dedicação ao próximo seu modus vivendi.
Agora ocorre-me a idéia existencialista de "náusea". A náusea, segundo Sartre, é o despertar para a humanidade, para uma nova atuação social, para a inquietação de uma vida incorformável. Seria esta dor quase insuportável o embrulho no referido olhar? Deveria minh’alma arreganhar suas janelas para o que faz no dia a dia?
Curiosamente, apontam-me pela simpatia, pela sinceridade, por uma tal sensibilidade. Até que profundidade, porém, os afagos desta entristecida aura alcançam os corações dos amigos desejados? E que doçura é esta que só colhe indiferença, desconsideração, isolamento?
Mestre, rogai por estas amarguras. Por aquilo que não é possível superar, simplesmente. Pelas marcas que ficam quando as lágrimas descem de saudade do riso, do gozo e do amor que ainda não chegaram. Ou mesmo que vieram, mas que nada mais são do que saborosas lembranças de um passado distante...
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