Tuesday, April 10, 2012

Janela discreta

Sentada no café, ela fotografa, encantada, aquela janela poulainesca. Enquadramento nas grades que emolduram o cenário à meia luz: cortinas de voal, mesinha quadrada de madeira e um vaso com uma única flor. Quem será que vive ali? Um casal de velhinhos eternamente apaixonados? Uma jovem romântica e solitária? Um artista plástico de 30 e poucos anos?

Lá dentro, no quarto ao lado da janela pictórica, ela se debate. Sobre seu rosto, um travesseiro, pressionado pelas enrugadas mãos. Ela tenta respirar. Agita o corpo. Mas ele, apesar da idade, sabe a dose exata de força para atingir o seu objetivo. Num único lampejo de raciocínio em meio ao desespero, ela percebe a perversão dele ao mirar o cabideiro. Um sem-número de meias arrastão decoram o canto do cômodo. Em poucos minutos, sua peça de malha trançada já se soma às demais.

Thursday, March 08, 2012

Dê-me respeito

Hoje, não quero um parabéns. Não quero flores ou bombons. Tampouco beijinhos e palavras exaltando que sou forte porque aguento menstruação e TPM e posso ser mãe. Hoje, quero que mulheres e homens reflitam a origem desta celebração. Que respeitem a luta daquelas que resolveram não se curvar ao poder de fala masculino e se movimentaram. Mulheres que brigaram para que hoje eu vote, eu fale e seja ouvida, que eu tenha a possibilidade de eleger uma mulher para um cargo político, para que frequente a universidade, que eu escreva as minhas matérias nos jornais, que eu beba, que eu use jeans, que possa ter o meu emprego e também os meus filhos (ou não). Mais que "queimadoras de sutiãs", essas mulheres disseram não à desigualdade de direitos.

Não quero ser melhor nem pior que homem. Sou diferente deles. Mas quero ser respeitada e quero ter os mesmos direitos que eles. Quero que o poder de fala também me seja dado, independentemente de gênero. Quero que eu não seja vista com piedade, como sexo frágil, nem como o suprassumo da força. Quero ser olhada como gente. Que pode. E ponto.

Um obrigado especial à mulher mais importante da minha vida, a minha mãe, que me ensinou desde pequena que eu não sou melhor nem pior que ninguém, seja de que gênero, etnia, estrato social ou crença for.

Friday, December 09, 2011

Diferenças

De tão diferentes que somos, duvido.
Ele novo, eu madura.
Ele polêmico, eu feminista.
Eu passional, ele razão pura.

Acha que tem sapiência de tudo.
Eu já aprendi que nada sei.
Diz que nunca se apaixonou.
E eu tanto já amei.

Farra é com ele mesmo.
Pra mim, basta estar perto.
Acorda que é só mau-humor.
Sou a alegria quando desperto.

Vive a ansiedade da pouca idade.
Já experimento a dádiva da calmaria.
Ele quer festa e mais festa, e eu, apenas companhia.

Mas de que serve listar tudo isso
Se o que sinto é maior?
Apaixonei-me, é fato
Quero deitá-lo no colo e dar amor.

Nessas horas é que dá pra ver
Que os poetas estão mesmo certos
De nada adianta a razão
Quando estamos emocionalmente despertos!

Vem cá, fruta minha
Adoça-me com a sua graça
Arranca-me os conceitos prontos
Deixe-me feliz, apenas feliz, e ponto.

Friday, November 04, 2011

Cascas

Sábias são as árvores, que já nascem com cascas. Nós, mulheres e homens, bichos humanos, de pele desnuda e fina, levamos a vida toda para aprender a criá-las, a machucar-se menos, a proteger-se do que não nos faz bem.

Friday, October 21, 2011

B.

Dia desses, B. visitou-me em sonho. Sorriu aberto e irradiou-me com aqueles dentes bonitos dele. Falou um chamego qualquer com seu sotaque e me arrancou gargalhadas. Trouxe consigo a mãe para me conhecer.

Sentada na ponta da minha cama, ela me olhava comprido. Tinha na pele a morenês do filho. Senti que, como ele, antes da cirurgia, ela tinha medo. Mas hoje animei-me. Enfim, "conheci" dona D., por telefone. E ela passou-me tanta esperança! Disse que B. se recupera e que precisamos ter paciência. Não é fácil.

Um mês se passou. É angustiante imaginar como ele está. Eu estou tão longe... ELE está tão longe. Essa nossa ansiedade pelo real não nos permite aceitar o mundo paralelo necessário em que B. está. Queria ele aqui, no bate-papo, inquieto com a tecnologia, mas sempre galante quando se refere a mim.

Doído aceitar um sono que não tem hora para acordar. Mais parece peça pregada pela vida. Uma lição de moral daquelas que a gente ganha quando reclama de tudo e mais um pouco. Assim, a saudade é ainda maior. Assim, a vontade de um abraço é como a da primeira chuva depois da seca. Quando vier, será extasiante.

Tuesday, September 27, 2011

Meia vitória

Hoje, minha coragem venceu o medo. Mas não a desesperança.

Thursday, August 04, 2011

Viva

Alvoreci com vontade de chorar. Com um soluço preso na garganta. Logo ouvi "Que é preciso chuva para florir". E pensei cá com meus botões: antes nascer e morrer que ser artificial para sempre.